sexta-feira, 14 de setembro de 2012

LA LOBA



Existe uma velha que vive num lugar oculto de que todos sabem, mas que
poucos já viram. Como nos contos de fadas da Europa oriental, ela parece esperar que
cheguem até ali pessoas que se perderam, que estão vagueando ou à procura de algo.
Ela é circunspecta, quase sempre cabeluda e invariavelmente gorda, e
demonstra especialmente querer evitar a maioria das pessoas. Ela sabe crocitar e
cacarejar, apresentando geralmente mais sons animais do que humanos.
Dizem que ela vive entre os declives de granito decomposto no território dos
índios tarahumara. Dizem que está enterrada na periferia de Phoenix perto de um
poço. Dizem que foi vista viajando para o sul, para o Monte Alban3 num carro
incendiado com a janela traseira arrancada. Dizem que fica parada na estrada perto
de El Paso, que pega carona aleatoriamente com caminhoneiros até Morelia, México,
ou que foi vista indo para a feira acima de Oaxaca, com galhos de lenha de estranhos
formatos nas costas. Ela é conhecida por muitos nomes: La Huesera, a Mulher dos
Ossos; La Trapera, a Trapeira; e La Loba, a Mulher-lobo.
O único trabalho de La Loba é o de recolher ossos. Sabe-se que ela recolhe e
conserva especialmente o que corre o risco de se perder para o mundo. Sua caverna é
cheia dos ossos de todos os tipos de criaturas do deserto: o veado, a cascavel, o corvo.
Dizem, porém, que sua especialidade reside nos lobos.
Ela se arrasta sorrateira e esquadrinha as montañas e os arroyos, leitos secos
de rios, à procura de ossos de lobos e, quando consegue reunir um esqueleto inteiro,
quando o último osso está no lugar e a bela escultura branca da criatura está disposta
à sua frente, ela senta junto ao fogo e pensa na canção que irá cantar.
Quando se decide, ela se levanta e aproxima-se da criatura, ergue seus braços
sobre o esqueleto e começa a cantar. É aí que os ossos das costelas e das pernas do
lobo começam a se forrar de carne, e que a criatura começa a se cobrir de pêlos. La
Loba canta um pouco mais, e uma proporção maior da criatura ganha vida. Seu rabo
forma uma curva para cima, forte e desgrenhado.
La Loba canta mais, e a criatura-lobo começa a respirar.
E La Loba ainda canta, com tanta intensidade que o chão do deserto
estremece, e enquanto canta, o lobo abre os olhos, dá um salto e sai correndo pelo
desfiladeiro.
Em algum ponto da corrida, quer pela velocidade, por atravessar um rio
respingando água, quer pela incidência de um raio de sol ou de luar sobre seu flanco,
o lobo de repente é transformado numa mulher que ri e corre livre na direção do
horizonte.
Por isso, diz-se que, se você estiver perambulando pelo deserto, por volta do
pôr-do-sol, e quem sabe esteja um pouco perdido, cansado, sem dúvida você tem
sorte, porque La Loba pode simpatizar com você e lhe ensinar algo — algo da alma.



Nele, sentimos a velha que sabe catar os ossos abandonados no deserto e pouco a pouco recuperá-los por completo, montando o esqueleto do lobo ou da loba selvagem.
Ela canta diante desse esqueleto, canta com a alma e canta para a alma. Lentamente o esqueleto é forrado de carne, de veias, coberto de pele e pêlos até o ar tomar seus novos pulmões e o coração retomar suas batidas.
A velha deixa o lobo ir, e seguindo seu novo caminho, agora vivo e desperto, ele começa sua busca pelos seus instintos, pelo seu desejo de conhecer e se conhecer.

É o processo em que catamos nossos ossos abandonados e espalhados nos territórios áridos de nossa alma. É catar aqueles aspectos nossos que ficaram esquecidos, mutilados e abandonados por nós mesmas diante de tantas solicitações do mundo exterior, através de nossa história de vida e dos medos que impedem que esses ossos sejam achados.
É catar sonhos e desejos sempre relegados para depois. É catar as dores, as raivas e as culpas e dar colo, dar voz a elas para que possam ser transformadas. É fazer nossa respiração ritmar outra vez, é fazer nosso coração bater novamente e nos sentir vivas para começar essa caminhada junto com essa loba e buscar o aprimoramento como pessoa, como ser humano e como mulher!

"A história de La Loba descreve sua casa como aquele lugar no tempo no qual o espírito das mulheres e o espírito dos lobos se encontram - o lugar onde a mente e os instintos se misturam, onde a vida profunda da mulher embasa sua vida rotineira. É o ponto onde o Eu e o Tu se beijam, o lugar onde as mulheres correm com os lobos"
Clarissa Pínkola Estés

A arte é a ponte para acharmos esse lugar, para acessarmos esse deserto da alma e para transformá-lo em um Oásis repleto de fertilidade.

Se os seus sonhos e desejos estão ressequidos, áridos e perdidos em algum lugar da sua vida, sinta-se convidada a caminhar comigo e com outras mulheres em busca dessa iniciação. Para que juntas nós possamos correr ao lado uma das outras e principalmente, inteiras!!

Nenhum comentário:

Postar um comentário